sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Morto-vivo

A melhor imagem para o pecado é a do vício. E nós, cristãos, somos viciados em recuperação. A dinâmica do vício é obsessivo-compulsiva. Ela consiste numa fórmula mais ou menos como essa: eu não posso viver sem isto. Isto pode ser qualquer coisa: chocolate, homens, mulheres, televisão, sexo, sucesso, fitness, dinheiro, luxo, status, futebol, etc. Isto é um ídolo. Um ídolo é tudo o que ocupa o lugar de Deus não sendo Deus. É o impostor da divindade ou uma divindade impostora.

A Bíblia diz, pela boca do apóstolo Paulo e de Jesus, que o pecador está morto por causa do seu pecado. Reescrevamos isso substituindo os termos pelas definições anteriores. O viciado está morto por causa do seu vício. Aquele que acha que não pode viver sem chocolate/um corpão/você está morto por causa de chocolate/corpão/você. O vício te matou. Um dos significados neotestamentários para a morte mais recorrentes é escravidão. Reescrevamos o enunciado mais uma vez adaptando-o a mais essa definição. O viciado é escravo do seu vício. Aquele que acha que não pode viver sem chocolate/um corpão/você é escravo do chocolate/um corpão/você.

O pecador é, portanto, retratado na Bíblia como um zumbi. O que é um zumbi? É uma criatura que parece viva, mas que está morta, e que vaga pelo mundo com uma fome insaciável de cérebro. Ou seja, um viciado morto-vivo ou um morto-vivo viciado. Todos nós éramos mortos-vivos viciados.

A Bíblia nos diz que Jesus nos deu vida e nos libertou da escravidão do pecado. Ou seja, ela transformou mortos-vivos em gente de verdade. Ninguém que não tenha nascido de novo é um ser humano de verdade. É apenas a promessa de um ser humano. Isso porque não é livre nem está vivo. É um monstro se fazendo passar por um ser humano. Só Jesus era um homem de verdade. Mas sua morte e ressurreição nos deu o poder de sermos gente de verdade. Quem tem ouvidos para ouvir ouça.

Ainda sobre liberdade

A liberdade, cedo ou tarde, descamba para a libertinagem, por menor que seja. Convém nos corrigirmos e nos aperfeiçoarmos. Leva tempo. Mas a alternativa à liberdade não é melhor nem mais segura. O controle engessa as consciências e conduz à morte. Uma das formas mais disseminadas da morte é a hipocrisia. É o morto se fingindo de vivo. É melhor uma igreja libertina disposta a se santificar que nenhuma igreja. E a igreja é igreja de vivos. Vivos pecam e são perdoados. O evangelho se resume nesta dinâmica. Só os mortos não pecam. Temos gastado muito dinheiro e tempo com verniz. É hora de aprofundarmos a teologia e enfrentar a parte inglória da humanidade. Manter o horror diante dos olhos para então abraçar a graça salvadora de Jesus como resposta. O amor de Deus só faz sentido para gente que dele se aproxima buscando ser perdoado. Os justos não precisam ser amados. Estão esperando recompensas. Quanto a nós - a nossa recompensa é Cristo.

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Liberdade cristã

O moralismo está para o evangelho como a maquiagem está para a juventude. O primeiro tenta simular os efeitos que apenas o segundo pode produzir. Só o evangelho pode realmente transformar uma pessoa. Transformação acontece de dentro pra fora. Mas o moralismo só pode alterar o exterior. Da exterioridade se ocupam também os hipócritas, reduzindo a espiritualidade à encenação. Paulo preferia uma igreja libertina a uma igreja hipócrita. Vide as duas epístolas aos coríntios. Quando digo preferia, me refiro ao evangelho que ele pregou aos coríntios e ao modo como ele enfrentou as dificuldades com aquela comunidade. Ele não exerceu domínio sobre a fé de seus ouvintes. Ele argumentou com eles. Mostrou-lhes que não convinha que se entregassem a quaisquer desejos como escravos. Ele enfatizou a liberdade cristã sob todos os aspectos. Essa liberdade concedida no evangelho nos informa que estamos livres do pecado de uma dupla maneira: somos livres para pecar, porque já não há condenação sobre nós, e para não pecar, porque nascemos de novo e já não somos escravos da velha natureza do pecado. Quem lê entenda. Agora finalmente podemos escolher.

A hipocrisia se alimenta da aparência e do controle sobre a vida alheia. Ao passo que a libertinagem seria um efeito colateral e passageiro (não necessário, mas possível) do processo que conduz as pessoas à liberdade. O único início legítimo do evangelho é a liberdade. A doutrina da justificação pela fé está assentada sobre a nossa total incapacidade de fazer a coisa certa. O novo nascimento é um novo começo. Nossas dívidas foram saldadas na e pela cruz. Gloriar-se na cruz de Cristo, como diz Paulo, é alegrar-se com o fato de que somos justos por causa dele. Já não devemos nada a ninguém. Ou - o que é a mesma coisa - devemos tudo àquele que se entregou por nós, como quem deve a vida ao melhor amigo. É sobre esse tipo de consciência que a verdadeira espiritualidade deve estar apoiada. E não sobre o medo do inferno ou da condenação. Esses são os rudimentos do mundo. Estamos em casa agora.

Voz que reclama

Bem-aventurados