domingo, 4 de março de 2012

Um em Cristo

Converter-se é abandonar partidarismos. A situação política na qual transcorreu o ministério de Jesus pode nos ajudar a esclarecer isso. À época de Jesus a Palestina estava sob domínio do Império Romano. Naturalmente a contragosto. Os judeus aguardavam o messias como aquele que os libertaria do jugo de Roma. Portanto só poderiam ver com maus olhos aqueles dentre os judeus que colaborassem com os dominadores. Havia inclusive um grupo de radicais chamados zelotes dispostos a conseguir a libertação de Israel pela via armada. Agora vejamos os doze homens escolhidos por Jesus para dar prosseguimento a sua missão na terra. Nem todos eram pescadores, homens do povo, iletrados. Um deles, chamado Simão, era zelote e outro, chamado Mateus, era coletor de impostos. Eles se encontravam em posições opostas da organização social. O coletor de impostos era uma espécie de representante da dominação romana. Ele fazia o serviço sujo para o Estado romano e ainda se aproveitava disso enriquecendo-se ilicitamente, cobrando mais do que devia, prática comum entre os coletores. Mateus era portanto um traidor, um inimigo do povo. E no entanto Jesus chamou a ambos, o revolucionário e o funcionário público.

A vocação cristã concilia inimigos e os reúne sob um propósito transcendente. O cristão tem prioridades que nada têm que ver com programas partidários. Quase sempre alinhar-se significa restringir a proposta universalista do evangelho. O universalismo e a transcendência do evangelho só podem trazer insatisfação aos politizados. O evangelho exige um posicionamento que os politizados só podem considerar ambíguo. É ficar em cima do muro. Mas não é essa a questão. Jesus separou igreja e Estado, muito antes que o Estado cogitasse assimilar a igreja em seu próprio favor, quando proferiu sua famosa frase: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Não é a resposta de um alienado, mas de alguém perfeitamente ciente de que os limites da religião coincidem com o da política e vice-versa.

O engajamento político logo dá num beco sem saída. Em algum momento é preciso saltar. A igreja é a comunidade terrena do Espírito Santo. É a comunidade do salto. Seus pés estão plantados no chão, mas seus braços apontam para os céus. O alvo se encontra nas alturas. Nem todos estão dispostos a abraçar tais paradoxos. É mais fácil se entregar ao reducionismo e ao maniqueísmo de esquerda e direita, de militância política e alienação espiritualista, de verdade científica e obscurantismo religioso, de fundamentalismo positivista e fundamentalismo cristão. Colocar-se a favor dos pobres e falar contra os ricos é esquerdismo. Tentar resgatar a busca humanista do equilíbrio é secularismo ou irracionalismo (depende de onde venha o ataque, se dos fundamentalistas religiosos ou cientificistas). O consenso da sociedade de consumo só se rompe por questões totalmente irrelevantes e graças a polarizações obtusas, que ignoram que a realidade é sempre mais complexa.

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