quarta-feira, 7 de março de 2012

Crise de identidade #1

Está claro que vivemos uma crise de identidade generalizada. A nossa não é uma sociedade fechada como a de antigamente. Pelo menos na superfície. No passado você sabia aonde deveria chegar em função da família na qual tinha nascido. Seu pai era sapateiro? Então você também seria sapateiro. Seu pai trabalhava na fábrica de pregos do bairro? Então você também trabalharia na fábrica de pregos do bairro. Você casaria porque todo o mundo casava. Você teria filhos porque todo o mundo tinha filhos. Você seria católico e acharia comunismo coisa do capeta porque todo o mundo era católico e achava comunismo coisa do capeta. As peças do jogo eram as mesmas para todo o mundo. Elas se moviam do mesmo jeito.

As possibilidades eram reduzidas e já tinham sido estabelecidas antes do seu nascimento. Você só podia chegar e se sentar à mesa no lugar com o seu nome. Você sabia quem era e que papel ocupava no mundo porque havia uma comunidade inteira para lhe dizer isso. Era uma prisão, mas uma prisão bastante conveniente. Ninguém precisava ter crises existenciais nas quais se perguntava quem era ou o que faria da vida. Você era o que sua família é e iria fazer o que todo o mundo na sua família faz. E ninguém questionava isso. Nem seus professores, nem seus amigos, nem o governo. Na verdade, muito pelo contrário: todos confirmavam o que seu pai lhe dizia. A autoridade era uma só. Todos diziam a mesma coisa. Isso era uma sociedade fechada ou uma sociedade de escolhas limitadas.

Mas nossa sociedade não é essa. Pelo menos na superfície. Diz-se que é uma sociedade de escolhas ilimitadas. Sim, na teoria você pode ser aquilo que quiser ser e fazer o que quiser fazer. Você pode ser filho do padeiro e querer ser sapateiro. Você pode ser filho do policial e querer ser astronauta. (Sim, essas são ocupações muito antigas; reconheço o anacronismo.) A sociedade de escolhas ilimitadas só é limitada pelo dinheiro. Tudo é mediado por ele. Na prática a sociedade de escolhas ilimitadas é na verdade uma sociedade na qual ninguém escolhe abertamente por você. Abertamente. Porque já não precisam. A ilusão da liberdade é mais lucrativa. Mas essa é outra história. Vamos nos concentrar no fato de que aquele mundo fechado acima mencionado rachou e os filhos já não podem se agarrar (nem querem) ao que seus pais acham que é certo. Estamos girando no vácuo. Não sabemos o que queremos porque podemos querer o que quisermos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Voz que reclama

Bem-aventurados