A história da salvação é a trama invisível pela qual
natureza, graça e história formam uma única torrente saída do trono de Deus. A
natureza é o reino das leis inalteráveis, da justiça sumária e da lógica
estrita. Nenhuma sentença aceita apelação e toda condenação é imediata. É o
domínio da lei. Quando entendemos que a natureza é puramente lei e que a lei é
puramente natureza, fica claro que a natureza usurpa o lugar da graça como
fonte mantenedora da vida. Nada como a lei pode de si mesmo dar vida. A graça é
a doadora e sustentadora da vida. Ela se esconde sob cada evento da natureza
com a discrição muda do milagre. Reconhecê-la é aprender que a única realidade
é a do milagre. O milagre liberta das execuções inapeláveis da natureza. A
suprema alegria da graça é promover exceções à natureza.
Mas a natureza não está em desacordo com a graça. Ela é
apenas muito limitada. A graça excede a natureza. A natureza é meramente o
aspecto visível ou superficial dos incontáveis milagres que a graça realiza. A
natureza insiste na regra; ela mesma é a regra. Mas a graça é a exceção e a
vida é um fato da exceção. Que haja vida não é uma necessidade de qualquer
coisa. A vida é um dom. Mesmo os incrédulos reconhecem a gratuidade da vida e o
admitem dizendo que ela é obra do acaso, resultado de inúmeras condições
favoráveis. Ou seja, não podem recusar as noções de gratuidade e favor.
A invisibilidade da graça é a graça tomada como natureza.
Os olhos humanos são parte da natureza e servem para apreendê-la. Os olhos da
natureza julgam que a graça é invisível, mas a graça simplesmente não é visível
segundo os olhos da natureza. Não há argumentos que convençam da existência da
graça. Aquele que pede provas no fundo está confundindo a graça com a natureza
ou gostaria que aquela se apresente como essa. Ela permanece dissimulada aos
olhos daqueles que se agarram à natureza como verdade profunda da existência. É
preciso soltar-se da natureza. É preciso acreditar na graça. A fé é um livre
ato da vontade totalmente sustentado sobre si mesmo. Nada o nega; nada o
suporta. A graça, sendo liberdade, só pode mesmo ser admitida por fé.
A história é o
modo como os homens se apropriam, segundo suas necessidades, daquilo que
encontram dado. É a confrontação do homem com a natureza. A história é a
natureza adaptada às necessidades humanas. O homem deve portanto aprender a
colaborar com a natureza e a fazer dela sua colaboradora. Ele deve se
reconhecer como parte dela.
No entanto o homem é como uma fresta pela qual enxergamos
que a natureza é serva dos propósitos da graça. A história da salvação, ainda
que centrada no homem, não se esgota nele.
A santidade de Deus é o fato de ele ser a suprema exceção,
sob todos os aspectos, a todas as coisas.
A história da salvação é anterior à história. O princípio
da história é a morte do homem. A história começa quando o homem rejeita a
graça. Este evento é chamado de queda pela teologia. A queda é a transgressão
da lei como recusa da graça. O tempo anterior à queda é um tempo no qual a
graça se confunde com a natureza: Deus caminha no jardim que o homem habita.
Nenhum comentário:
Postar um comentário