terça-feira, 26 de junho de 2012

História, graça e natureza

A história da salvação é a trama invisível pela qual natureza, graça e história formam uma única torrente saída do trono de Deus. A natureza é o reino das leis inalteráveis, da justiça sumária e da lógica estrita. Nenhuma sentença aceita apelação e toda condenação é imediata. É o domínio da lei. Quando entendemos que a natureza é puramente lei e que a lei é puramente natureza, fica claro que a natureza usurpa o lugar da graça como fonte mantenedora da vida. Nada como a lei pode de si mesmo dar vida. A graça é a doadora e sustentadora da vida. Ela se esconde sob cada evento da natureza com a discrição muda do milagre. Reconhecê-la é aprender que a única realidade é a do milagre. O milagre liberta das execuções inapeláveis da natureza. A suprema alegria da graça é promover exceções à natureza.

Mas a natureza não está em desacordo com a graça. Ela é apenas muito limitada. A graça excede a natureza. A natureza é meramente o aspecto visível ou superficial dos incontáveis milagres que a graça realiza. A natureza insiste na regra; ela mesma é a regra. Mas a graça é a exceção e a vida é um fato da exceção. Que haja vida não é uma necessidade de qualquer coisa. A vida é um dom. Mesmo os incrédulos reconhecem a gratuidade da vida e o admitem dizendo que ela é obra do acaso, resultado de inúmeras condições favoráveis. Ou seja, não podem recusar as noções de gratuidade e favor.

A invisibilidade da graça é a graça tomada como natureza. Os olhos humanos são parte da natureza e servem para apreendê-la. Os olhos da natureza julgam que a graça é invisível, mas a graça simplesmente não é visível segundo os olhos da natureza. Não há argumentos que convençam da existência da graça. Aquele que pede provas no fundo está confundindo a graça com a natureza ou gostaria que aquela se apresente como essa. Ela permanece dissimulada aos olhos daqueles que se agarram à natureza como verdade profunda da existência. É preciso soltar-se da natureza. É preciso acreditar na graça. A fé é um livre ato da vontade totalmente sustentado sobre si mesmo. Nada o nega; nada o suporta. A graça, sendo liberdade, só pode mesmo ser admitida por fé.

A história é o modo como os homens se apropriam, segundo suas necessidades, daquilo que encontram dado. É a confrontação do homem com a natureza. A história é a natureza adaptada às necessidades humanas. O homem deve portanto aprender a colaborar com a natureza e a fazer dela sua colaboradora. Ele deve se reconhecer como parte dela.

No entanto o homem é como uma fresta pela qual enxergamos que a natureza é serva dos propósitos da graça. A história da salvação, ainda que centrada no homem, não se esgota nele.

A santidade de Deus é o fato de ele ser a suprema exceção, sob todos os aspectos, a todas as coisas.

A história da salvação é anterior à história. O princípio da história é a morte do homem. A história começa quando o homem rejeita a graça. Este evento é chamado de queda pela teologia. A queda é a transgressão da lei como recusa da graça. O tempo anterior à queda é um tempo no qual a graça se confunde com a natureza: Deus caminha no jardim que o homem habita.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Voz que reclama

Bem-aventurados