quarta-feira, 1 de junho de 2011

Lendo o evangelho

O marxismo não é uma boa chave interpretativa do evangelho. Nem o liberalismo, aliás. O evangelho não está nem à direita nem à esquerda. Ele olha de cima. Pensem nas coisas do alto, diz Colossenses.

O grande problema na tarefa de vincular evangelho a política é confundir prioridades. O evangelho não busca poder. É a religião ou ideologia dos derrotados. Nisso Nietzsche estava certo. Converter-se é reconhecer-se derrotado diante de Deus. É cair do cavalo. Vide Paulo. Política teoriza e busca poder. Como manipulá-la a favor do evangelho? Procuremos pensar nisso.

Porque faltamos ao simplesmente ignorar os anseios de quem quer transformar Jesus em Che Guevara ou vice-versa. É preciso perguntar o que há de verdade ali. Examinemos tudo; retenhamos o que é bom, assim está escrito em 1 Tessalonissenses. Ninguém só fala besteira. Teologia da libertação, eis o nome do duende, não é necessariamente o diabo. Pode vir a ser. Aliás, muita coisa pode vir a ser o diabo. Até teologia reformada - que é uma coisa linda. Use Calvino errado e você pode perder um dedo, um olho. Teologia da libertação, no que é válida, tem alguma coisa a ver com fé manifestada por obras. Servir e evangelizar ou evangelizar como servir. O problema é suprimir a parte do evangelizar ou desfigurá-la. Então nos perguntemos o que é essencial no evangelho.

A fé sem obras é morta. Estendamos a mão. Evangelho é serviço. Mas o objetivo do serviço é manifestar Jesus em carne, isto é, mostrar que Ele vive por meio das nossas vidas. Não é alimentar o pobre por alimentar o pobre. O reino de Deus é muito mais que o corpo; mas nós o recebemos no corpo. Sejamos equilibrados. Não abandonemos os pobres, mas também não sacralizemos a pobreza. O Santo é Jesus, que se fez o mais pobre de todos.

Lemos Marx. Leiamos Calvino. Por favor. Vale a pena. Se for possível ler apenas um, leia Calvino. Mas sobretudo leia os evangelhos. Leia Paulo. Entre Marx e Calvino, escolha Calvino. Entre Calvino e Paulo, escolha Paulo.

A única chave interpretativa autorizada do evangelho é o Espírito. A igreja é a comunidade da palavra e do Espírito. E isso não é nenhuma abstração. A palavra é vida e o Espírito pessoa. E a comunidade somos nós. Nós nos relacionamos com ele e ele nos ensina o evangelho. Atentemos ao "nos". O Espírito sempre fala à comunidade. Não existe interpretação do evangelho inspirada pelo Espírito somente na minha cabeça. Ela me ocorre pessoalmente e é confirmada pela comunidade, na vida das pessoas que a ouvem e são transformadas por meio dela.

Dizer Espírito, repito, não é abstração, i.e., não é abandonar a leitura do evangelho ao que "sentimos no coração" ser legítimo. É ler com temor. O texto é como o corpo: você não entende a parte sem o todo - o pé não é pé por si mesmo, não tem função de pé quando sozinho; é sempre pé do corpo. Assim também não se pode entender "tudo posso naquele que me fortalece" sem ver a que "tudo" Paulo se refere. Você não pode pinçar um pedacinho do texto ignorando o resto. Isso é ler sem temor. Isso é se expor ao erro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Voz que reclama

Bem-aventurados