quarta-feira, 28 de abril de 2010

10. Vá à igreja, mas não me chame

A parábola do filho pródigo é uma excelente radiografia do coração humano em sua cegueira à realidade generosa do perdão. Uma parte do evangelho fala ao filho pródigo, que se foi; outra fala ao filho mais velho, que ficou. O problema do filho pródigo é que, quando ele volta, não volta só para o pai – mas também para seu irmão. Então o problema do filho pródigo passa a ser o filho mais velho, para quem o problema passa a ser o filho pródigo. Esse estranhamento todo se chama família ou igreja.

A igreja é uma comunidade de perdão. Risos. A família só é família porque nela existe o perdão. Todo o mundo falha com todo o mundo, mas, como é família, perdoa-se, e vamos adiante. Essa é a lógica, que privilegia a pessoa em detrimento do erro e da culpa. É a lógica do perdão. Família é uma coisa que obriga o perdão, que não existe no mundo, então tem que existir em algum lugar, meu Deus.

Quem aceita a aposta tem que ir à igreja. Quer dizer, tem que voltar pra casa. Era filho pródigo e resolveu voltar. Nascemos ovelhas desgarradas ou é a vida que nos desgarra ano após ano. Sinceramente, a igreja é uma provação, porque família é uma provação. A melhor coisa do mundo não é a melhor coisa do mundo. Sobrevivemos graças à nossa família e apesar dela. O mesmo vale para a igreja. E a igreja quem faz somos nós.

Famílias precisam de diálogo. A televisão e o computador acabaram com o diálogo. É o fim da comunhão. É o fim da família. Essa cartilha nós conhecemos. E ela também vale com a igreja. Só que a televisão da igreja é o púlpito. Todo o mundo sentado assistindo. Mas não tem diálogo, não profundo, porque falta espontaneidade, e portanto interesse real, e sobra obrigação.

A família e a igreja precisam se reinventar sob o signo da amizade. Devemos tomar João 15.13 a 15 como modelo de nossa vivência em comunidade: “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida pelos seus amigos. Vocês serão meus amigos se fizerem o que eu lhes ordeno. Já não os chamo servos, porque o servo não sabe o que o seu senhor faz. Em vez disso, eu os tenho chamado amigos, porque tudo o que ouvi de meu Pai eu lhes tornei conhecido.”

Partilhar e sacrificar-se são coisas que fazemos espontaneamente quando se trata de amigos. Jesus partilhou com eles o que o Pai lhe dizia. E, no final, Jesus morreu por seus amigos. Ou melhor, por aqueles que ele fez amigos seus. Paulo escreve que éramos inimigos de Deus, mas que Cristo veio acabar com essa inimizade (Romanos 5.8-10). A cruz é o sacrifício da amizade.

Nosso dever, neste mundo, é santificar a vida, o que é bem mais simples e cotidiano que pensamos. Todo gesto que humaniza redime. Nesse sentido, a amizade é um sacerdócio. Em Lucas 22.28, Jesus diz, na intimidade da última ceia com seus discípulos: “Vocês são os que têm permanecido ao meu lado durante as minhas provações.” Somos santos por pouco, quando vacilamos. A miudeza então se abre como o momento da epifania. E a religião invade a vida em sua inteireza.

Relaxemos e sejamos santos sendo absolutamente humanos ao acolher as pessoas. Fomos criados para o encontro e há muito que nos esperam – e que só aumentamos nosso atraso – porque temos tanto a tratar com nós mesmos ou tanto a melhorar para sermos capazes de estender a mão. Mas para estender a mão, basta estender a mão.

A conversa é o grande sacerdócio ou ministério esquecido. Que nos sentemos e conversemos uns com os outros; que conversemos com as pessoas, e algo vai acontecer. Que ouçamos – ouçamos muito – e depois falemos. Isto é simples e também é evangelho. Apreciemos as pessoas e adiemos tanto quanto possamos a pregação se isto quer dizer que vamos começar a persuadir. Chega de persuasão. Chega de ser advogado, pastor, professor, profeta, vendedor, publicitário e ator. Tentemos um papel ou profissão diferentes; tentemos ser seres humanos e ver no que dá.

Primeiramente sejamos amigos uns dos outros antes mesmo de sermos irmãos em Cristo. Até hoje não sei o que isso significa na prática. Quer dizer que não preciso pregar para você porque você já foi pego? Mas se você fosse simplesmente meu amigo, então eu saberia o que esperar de você. Eu te procuraria e você me procuraria. E sabe o que faríamos a maior parte do tempo, sendo amigos? Nós conversaríamos. Porque conversar é ter comunhão. E quem tem comunhão é um. Minha definição de igreja de hoje é: pessoas que conversam entre si porque, antes de tudo, conversam com Jesus; igreja é uma comunidade de bate-papo. É um chat gigante.

Conversando, seremos salvos, e de bem mais coisas que a condenação eterna. Para começar: seremos salvos de ser uns chatos. Porque chato é sempre o cara que não sabe que é chato porque vive tão envolvido consigo mesmo que não enxerga mais nada, mas conversa é diálogo. Assim: você fala e eu escuto, depois eu falo e você escuta. Tem gente que pensa que é assim: eu falo e você escuta, depois você escuta e eu falo.

A realidade a que corresponde a igreja é a mesma da Encarnação e portanto um dos fatos mais bonitos da existência e que se pode resumir assim: estamos juntos nessa. A igreja é a instituição do suportai-vos uns aos outros; uma longa caminhada conjunta rumo à eternidade, e se eu cair, você me levanta e vice-versa.

Um comentário:

Voz que reclama

Bem-aventurados