quarta-feira, 28 de abril de 2010

5. Felicidade

A gente vive uma vida burra, cheia de automatismos, batendo cartão e apertando gatilhos. Sexo é só mais uma questão burocrática ou mecânica. O kitsch da experiência. Conseguimos transformar o essencial numa coisa de mau-gosto. Libertários que somos, transformamos o corpo num escravo do que NOS DISSERAM que é a felicidade. Algo que envolve domir e comer mal, e fazer sexo de qualquer jeito.

Somos muito inteligentes e perspicazes, podemos construir coisas engenhosas, divertidíssimas, explicar ideias complexas e até ensaiar sistemas metafísicos inteiros, mas o fato é que há muito perdemos nossos corações. Não se trata de uma reinvidicação romântica, a primazia do sentimento sobre a razão, sem descuidar da razão. Estou falando daquela dissociação terrível em tudo o que fazemos, nossa incapacidade crônica de emprestar sentido ao mais simples gesto, resultando em vidas vazias, sem propósito. O que eu estou fazendo nunca é o que eu realmente queria fazer. Então passamos adiante tentando esgotar todas as possibilidades e nos convencer de que isto é viver intensamente.

Nossa pobreza consiste em achar que a vida depende de uma coisa só, sem a qual seremos infelizes para sempre. Costumamos fazer isso com sexo ou dinheiro. Isso porque nos rendemos. Desistimos de pensar com ousadia e de ser criativos e inventar a nós mesmos porque nós nos adequamos; porque é com desespero e atropelo que avançamos sobre as pessoas e as coisas buscando nos ajustar ao que NOS DISSERAM que é felicidade.

Eu não acredito na felicidade; eu não quero acreditar na felicidade. A felicidade é uma coisa que nos mandaram buscar. E no caminho faremos muita gente infeliz em nome dela. É um objetivo muito pequeno. Sobretudo muito vago. O que isso significa?

Uma regra fundamental da redação jornalística é referir fatos e portanto ser concreto ao escrever. Porque as pessoas têm pressa e querem saber o essencial quando leem o jornal. Também nós precisamos ser concretos ao responder questões de que, er, depende nossa vida. E se pergunto o que você quer da vida e você diz que só quer ser feliz, sinto muito, mas tenho que perguntar o que você quer dizer com isso. Porque eu não sei (e garanto que você também não sabe). E olha que eu também quero ser feliz. Mas sei que isso é consequência de alguma coisa. Então é essa alguma coisa que importa. Ela é a causa da minha felicidade.

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