quarta-feira, 28 de abril de 2010

9. Não vá à igreja

Meu segredo é que estamos conspirando e que isto aqui é um manual do conspirador ou um folheto para quem estiver disposto a, ao menor sinal, derrubar o templo e reconstruí-lo em três dias, mas reconstruí-lo todo ao contrário, com a porta onde fica a janela, e a janela onde fica a porta.

Disseram pra mim que estamos numa transição, logo nós. Esta geração está cansada dos televangelistas e do materialismo da teologia da prosperidade que pregam. Esta geração está cansada do formato tão, er, consagrado do templo e anda sonhando com a comunidade cristã primitiva, que se reunia em casas. O problema do templo é que ele concentra toda a santidade em si e o resto do mundo deixa de ser santo. E Cristo veio santificar a vida como um todo (João 4.20-24). Mas a comunidade cristã primitiva é mesmo um horizonte possível? Voltar é possível?

Números não dizem nada. Caravanas de evangelismo são uma imagem triunfal de um desenvolvimento que nunca acontece. Interessa é saber, dos milhares que se convertem, ou supostamente se convertem, quantos permanecem e como permanecem. Às vezes acho que os jovens que estão na igreja estão na igreja porque não são jovens, porque tiveram que se adaptar e passar a pensar como velhos. Porque só uma mentalidade velha, e não ortodoxa, ou cristã, mas apenas velha, faz permanecer na igreja como ela é, de maneira geral, atualmente. Só não sei se pensam como velhos para não escandalizar os velhos ou porque se deixaram fossilizar.

Então eu tenho que perguntar como temos permanecido na igreja nós que temos permanecido na igreja.

A igreja não está em crise. Antes estivesse. Só uma parte dela está. Estar em crise é bom. Crise implica reflexão e amadurecimento. É sinal de vida; e vida inteligente. Só o que está morto não entra em crise. Inclusive ou principalmente quando está cerebralmente morto.

A parte que está em crise está em crise por causa da parte que não está em crise. Porque a fé cristã existe pra colocar as pessoas e as coisas em crise (Lucas 18.18-23). Nas aulas de História a gente aprende que o Império Romano do Ocidente entrou em crise e acabou. Uma das coisas que o fez entrar em crise foi o cristianismo.

A gente entra em crise quando alguma coisa que costumava ser certa passa a nos parecer errada. Ora, é mais ou menos isso que quer dizer arrependimento. A diferença é que o arrependimento é quando essa alguma coisa é a própria vida. A vida que costumava ser certa passa a parecer errada. Não existe maior crise que essa. E só há uma maneira de enfrentá-la e crescer: convertendo-se.

A conversão é o resultado da mais importante crise que alguém pode ter nessa vida. O problema é que a conversão é só o começo. A ideia toda do cristianismo é que, a partir do momento em que você entrou em crise e se converteu, vai ter que continuar entrando em crise até morrer. Quem não entra em crise não cresce. A fé cristã só é real quando produz crescimento. É aquela história da árvore e de seus frutos. Tem que frutificar (João 15.2).

Por isso é que a parte da igreja que está em crise está em crise por causa da parte que não está. A parte que não está em crise está na verdade ameaçada de deixar de fazer parte da igreja. Corre o risco de deixar de ser igreja. Claro que isso facilitaria as coisas. A gente poderia suspirar e dizer que Deus separou o joio do trigo. É a teologia da comodidade. Tem muitas vertentes. A gente escolhe a que for conveniente.

Mas aí seria a parte que está em crise que deixaria de estar em crise por não se importar com que a parte que não estava em crise tenha deixado de fazer parte, e assim a parte que está em crise também deixaria de fazer parte por ter deixado de estar em crise. E seria muito bem feito.

O fato é que estar em crise significa que você se importa. Importar-se é uma das grandes virtudes esquecidas do cristianismo. Isso e humildade. Importar-se é não se contentar com como as coisas são. Porque as coisas são ruins.

Somos uma geração perdida para uma igreja que voltou as costas para nós na medida em que insiste em manter as coisas como estão. O único modelo que garante a saúde da igreja é aquele originalmente proposto para o sucesso do socialismo. E é o da revolução permanente, que é o da crise permanente. Parar é se calar e se conformar.

Aqueles que se identificam com os anseios desta geração e que estão na igreja apesar da igreja vivem um paradoxo: o de ser a igreja na igreja, ou pior – ser a igreja sem igreja. Como alguém me disse quando eu comentava essas questões, estamos na igreja, mas não somos a igreja. Encarnamos o modelo do astronauta gravitando em torno da espaçonave ligado apenas por um cabo que nos fornece oxigênio. Mas o fato é que quem se esforça para que ainda tenhamos esse fornecimento de oxigênio é Deus. Porque lá dentro da nave estão todos entretidos com o culto.

Nosso risco constante é passar do astronauta ao náufrago. O astronauta não está perdido. Ele tem consciência de que precisa da espaçonave e de que tanto ele quanto os que estão dentro da espaçonave não estão em casa, mas a caminho dela. O astronauta sabe para onde está indo. Muito diferente é o náufrago, que está à deriva. Talvez o continente esteja ali, a alguns poucos quilômetros dele, mas como ele poderia saber? Afinal, ele se desloca ao sabor das ondas sem saber aonde isso vai dar.

A primeira coisa que me vem a cabeça quando penso em por que nos achamos nessa situação é que senso de realidade é agora incredulidade e que o mundo para o qual a igreja prega é muito parecido com um shopping. Pensar em indivíduos em vez de números é não ter visão espiritual. Em vez de discipular pessoas que conhecemos pelo nome, planeja-se a vida espiritual da igreja em planilhas que calculam o crescimento númerico da igreja em função das contribuições financeiras e do coeficiente espiritual, seja lá o que isso significa.

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