quarta-feira, 28 de abril de 2010

4. Camarada Vida

O evangelho fala da vida. É uma historinha que fala da vida justamente pelo fato de ser uma historinha. Historinhas são poderosas para esclarecer o que é a vida. Quando somos crianças, o mundo começa a fazer sentido se algum adulto tem a bondade de nos contar uma historinha.

Eugene Peterson diz que o bom da historinha é que não dá pra manter distância diante dela, que nos envolve, e assim somos obrigados a assumir uma posição. Ela nos força à ética. Eis o principal no evangelho – o momento da decisão, que é um momento ético, quando dizemos sim ao que se obrigou ser reconhecido, e se reconheceu como certo – e portanto o principal na vida, que já não pode correr a esmo.

Mas aí a gente cresce e deixa de ouvir e contar historinhas, não porque já não precisa delas, mas porque já não pensa na vida, já não acha que precisa entender o que é o mundo. Adultos se acham muito espertos, porque viveram muito, têm empregos, bocas para alimentar e posições para conquistar. São muito ocupados e têm muitas responsabilidades, mas não pensam no principal, que é a vida, que corre a esmo.

Por isso é que Jesus diz que é preciso se tornar uma criança para herdar o reino dos céus (Mateus 18.3). Porque é preciso voltar a pensar na vida. E tudo fica grande demais – metafísico demais – quando você emprega a palavra vida do jeito certo. Geralmente o momento é acompanhado de um grande suspiro porque a vida de que se fala – a única vida da qual se pode falar, aliás – é a sua própria vida.

Eu estou falando da minha própria vida quando falo e isso é muito importante. É uma garantia a mais de que estou interessado em resolver as questões que proponho, já que me afetam diretamente. Também significa que estou sendo honesto quando digo que não sei metade das respostas e que dá pra viver sem saber, mas não sem perguntar. É o que precisamos entender a respeito do mistério que nos apanha tão logo nos ergamos neste mundo: que nos cabe não ser indiferentes e seguir perguntando. Só a indiferença nos condenará.

Ser feio, gordo e pobre é uma derrota de nascença segundo os valores da sociedade na qual vivemos. Se você é feio, gordo e pobre, está condenado a ser infeliz. Quem pergunta para quê serve ler um poema ou estudar filosofia deveria também perguntar para quê serve estar vivo. A lógica é a mesma. Ou as coisas são funcionais, ou não valem nada. Desempenho é a palavra de ordem em todos os aspectos da vida.

As coisas não têm valor em si mesmas. Mesmo porque não existe nada ou ninguém que contradiga esta sociedade ressignificando as coisas a fim de dar a cada uma delas o devido valor. É no mínimo sinal de bom-senso desconfiar de que algo está muito errado nisso tudo. E é justamente a constatação de que as coisas não vão bem que nos conduz a perguntar pela própria vida. Essa é a hora dos perdedores.

Num mundo altamente competitivo, no qual as relações sociais são pautadas pelo mérito, Jesus é antiprodutivo. Jesus não é lucrativo. Jesus é a pedra no meio do caminho (Mateus 21.42-44). Porque ele veio para os perdedores. Isto está em 1 Coríntios 1.26 a 29: “Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram chamados. Poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento. Mas Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios, e escolheu o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte. Ele escolheu o que para o mundo é insignificante, desprezado e o que nada é, para reduzir a nada o que é, a fim de que ninguém se vanglorie diante dele.”

E em Lucas 7.22: “Então ele respondeu: Voltem e anunciem a João o que vocês viram e ouviram: os cegos veem, os aleijados andam, os mortos são ressuscitados e as boas novas são pregadas aos pobres.” Quer dizer, Jesus pega todo o sistema de valores vigente e inverte. Por isso Nietzsche, que dizia que o cristianismo é uma religião de e para escravos, e outros espíritos aristocráticos não engolem o evangelho, que acusam de promover a fraqueza. Exatamente. Mas é a fraqueza que nos torna mais fortes que nunca. No verso 23 do mesmo capítulo 7, Jesus conclui: “E feliz é aquele que não se escandaliza por minha causa.” Nietzsche se escandalizou. Muita gente tem se escandalizado. Este é o evangelho.

Um comentário:

  1. O Cristianismo não tem mensagem para pessoas saudáveis, fortes e felizes. Gente forte e feliz não se converte.

    Rubens Alves

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