quarta-feira, 28 de abril de 2010

7. Salvo!

Eu não sei quem vai pro céu. Discutir a salvação alheia geralmente serve apenas para assinalar uma suposta nobreza espiritual dos debatedores, coincidentemente sempre salvos. Às vezes sinto que não é salvação que está em jogo. Que salvação é mera consequência da vida verdadeira e não o contrário. Salvação seria apenas a coroação de um processo. Isso é naturalmente discordar da maioria dos manuais de teologia, que assinalam a salvação como um fato pontual. Deus vindo e tocando no alto de nossas cabeças com a varinha de condão e daí em diante nos capacitando a ser santos.

Mas vou me permitir essa inversão se ela colocar em primeiro plano a discussão dos valores. Estou agora interessado na seguinte oposição que me parece ser a essência do evangelho: vida verdadeira versus vida falsificada. Estamos falando de valores. Trocar os valores falsos pelos verdadeiros e parar de basear a própria vida em ilusões que não satisfazem. O evangelho é a feição mais acabada da vida verdadeira. É sua sistematização.

Você não precisa nem deve ler isto se for santo ou pecador. Na verdade acho que ninguém a não ser eu deveria lê-lo. No fundo foi escrito só pra mim. Mas esse “eu” e esse “mim” têm uma capacidade muito curiosa de se disfarçar de quem quiserem – inclusive de você.

Minha intenção é acabar com todas as dualidades existentes neste mundo prontas para cortarem cabeças descuidadas. Eis o sentido do alerta acima. Santo ou pecador, salvo ou perdido. Todas essas coisas não me importam. Todas essas coisas caem no momento em que Jesus entra em cena e introduz ele mesmo uma nova e única e suficiente dualidade: em mim ou fora de mim (João 15.1-7). É como um círculo no chão que as crianças, brincando, marcam a giz e quem pisa ali dentro já não pode ser apanhado porque está salvo. Aquele círculo de giz é Jesus. É pisar e gritar “Salvo!”. Pois você deve ou deveria ter lido em Romanos que já não há condenação alguma para quem está em Cristo Jesus (Romanos 8.1). No dia do Juízo Final, a gente é café com leite.

Não haver condenação é o mesmo que haver plena aprovação. E isto é a graça. A plena aprovação de quem eu sou. Experimentar a graça é descobrir-se simplesmente justificado em todos os sentidos. É a absurda consciência e sensação de que se é perfeito. Ou seja, eu não preciso mudar em nada para ser completamente aceito. Imagine as consequências dessa afirmação. Vejo pessoas correndo peladas pela rua, vejo o caos, vejo o fim dos tempos.

Mas não se trata de pregar uma vida irrefletida e irresponsável; mas de enterrar, de uma vez por todas, o desejo de se autojustificar. Dar um fim à justiça própria (Filipenses 3.9). Existe uma palavra central na vida cristã: milagre. O milagre é a natureza íntima de tudo o que acontece na nova vida em Cristo. Isso se harmoniza perfeitamente com o conceito de graça. E o milagre é que agora mesmo eu sou tudo o que Deus quer que eu seja.

A perfeição é um dom; não é resultado de esforço, nem uma conquista. É preciso se satisfazer com tudo que não seja a perfeição, parafraseando C. S. Lewis. A perfeição tornou-se uma armadilha demoníaca, com duas expressões bastante comuns e perfeitamente harmoniosas entre si: o moralismo e a vaidade. A ambição e competitividade no trabalho e as convenções sociais excludentes que envernizam o santarrão hipócrita são os exemplos mais imediatos de uma vida certinha.

E olha que eu até aprovo a vida certinha no que ela tem de discreta e resistente a modismos que só mostram que a gente ainda não sabe que Jesus mora no apartamento da frente. Mas a vida certinha é um dos argumentos mais antigos e surrados que se levantam contra os esquisitos de Jesus. E só hoje eu quero que os esquisitos de Jesus tenham a razão e sejam a porta estreita, porque a porta estreita é a porta dos esquisitos. É a porta para a qual sempre se olha com olho torto, porque ela fica no cantinho e é, bom, muito estreita, poxa.

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