quarta-feira, 28 de abril de 2010

8. Ele ou o grande YOU desconhecido

Nós nascidos em meados dos anos 1980 e agora com vinte e poucos anos. Que temos a dizer sobre Jesus? O que nos parece importante em sua vida e personalidade? O que ele nos diz – mas principalmente o que dizemos a ele?

O evangelho pede ser recontado por nós e com os nossos próprios recursos. O resultado é simplesmente a nossa espiritualidade. É a oportunidade de se ver refletido – espiritualmente – na imagem que temos de Cristo, contanto que sejamos honestos. Espiritualidade cristã, especificamente cristã, é o que se pensa de Cristo.

Ele é homem. Ele é descendente de Davi. Ele é o Messias. Ele é o Filho de Deus. São as identidades de Jesus que os quatro evangelhos canônicos estão interessados em nos apresentar. São realmente importantes. Dados fundamentais. Mas o que dizemos nós de Jesus? Os quatro evangelhos foram escritos por uma geração que precisava ouvir o que lá está escrito da forma como está escrito.

Jesus é homem e Jesus é Deus. É o mais próximo mais distante. É o paradoxo encarnado. O paradoxo como milagre. O paradoxo como natureza de Deus. Aí fica mais fácil entender a vida. Só o paradoxo salva, o que equivale a dizer que a essência do pensamento deve ser o paradoxo se quisermos chegar à verdade. E aqui se trata de pensar.

Acho que o paradoxo é um estado de coisas que satisfaz plenamente o coração e a mente – a mente que se volta ao mistério. O paradoxo é o invisível acenando para nós com uma resposta. É a complexidade das realidades espirituais sob uma forma racional e, por isso mesmo e ao mesmo tempo, a razão tensionada até o limite, até quase deixar de ser racional.

Certamente não queremos ser canônicos, mas em certo sentido acabaremos sendo se formos sinceros em buscar a Deus e honestos ao falar dessa busca e do Deus que temos encontrado. O evangelho começa quando estivermos dispostos a dar a nossa versão da história.

O que eu sei preliminarmente? Que Jesus tem que ser um de nós. Quando moleque escrevi algumas palavras sobre como eu achava que um herói deveria ser, um herói à imagem e semelhança da nossa época, e que recuperei aqui do meu computador e acho bom citá-las por serem estranhamente convenientes. Alguns detalhes precisariam ser modificados, mas o espírito do todo é surpreendentemente religioso, apontando inconscientemente para Cristo. Não é uma cristologia, mas apenas um anseio bem sentimental e portanto impreciso.

Acreditemos na sinceridade do Autor aos 15 aqui e ali modificada pelo Autor aos 26:

Alguém que viva humildemente entre nós e que possamos muito bem encontrar no supermercado do bairro, mas que tenha dentro de si esse poder de nos salvar. Alguém muito parecido com a gente e por isso muito próximo, mas, ao mesmo tempo e por toda a vida, distante de nós. E na distância ele realiza nosso sonho de sermos melhores. E é justamente isso o que ele significa para nós.

Seus inimigos não existem em função dele, como meios de destacar suas virtudes, mas são nossos inimigos, gente que sempre nos maltratou e nos feriu. Ele veio nos salvar do mal, que, em nossas vidas, se manifestou como violência, abandono, indiferença, medo e alienação. Ele nos protege, luta com o estuprador e com o espancador. E quando luta, ele sofre muito. Essa é a diferença; é a vida real. E ele apanha e se machuca, quase morre, mas vence no final. Sempre é assim. Nossa salvação lhe custa todos os dias sua própria vida.

Não queremos mais um herói para quem nossas vidas sejam valiosas só por alguma noção humanitária totalmente impessoal. Mas queremos que ele nos salve, sabendo quem somos, sabendo que muitas vezes nos acovardamos e fugimos do mal. Ele, afinal, nasceu com a gente; como se um de nós ascendesse aos céus.

Principalmente queremos que ele chore e respire profundamente e possamos ouvi-lo. Porque saberemos que, ainda que ele tenha ido tão longe e nos deixado para trás, continua sendo humano. Então, o abraçaremos e ele não se sentirá sozinho.

No Getsêmani Jesus velando e os discípulos dormindo (Mateus 26.40). Há mais de dois mil anos que fizemos a promessa de abraçá-lo e estar com ele e não a temos cumprido. Este é o evangelho.

Jesus pode ser abraçado, mas principalmente – Jesus pode abraçar. Deus costumava ser uma ideia, a melhor das ideias. Agora, é simplesmente um homem. Finalmente um homem. Conhecer Jesus é conhecer Deus como pessoa. É falar com Deus como se a gente estivesse falando com o amigo mais íntimo (Êxodo 33.11). Porque o amigo íntimo é aquele que nos ouve e diz “Eu também”. Jesus é o “Eu também” de Deus à dor e à miséria de ser homem. É ele o “you” de todas as canções de amor que cantamos. Eis uma prova de que temos transferido grande parte das nossas expectativas – que no fundo são espirituais – para o chamado amor romântico.

Temos sobrecarregado o outro – às vezes você, às vezes eu – com insatisfações pessoais das quais só o grande YOU desconhecido pode dar conta. Transformamos um anseio essencialmente espiritual e o desejo de mergulhar a vida em algo indescritível num encontro romântico. É pedir demais para pessoas tão incompletas e inseguras como nós. “I’ve been waiting for a guide to come and take me by the hand”, dizem os versos iniciais de “Disorder”, do Joy Division. Agora vem a aposta.

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