quarta-feira, 28 de abril de 2010

3. Nós

Às vezes acho que a aspiração profunda da geração que nasceu em meados de 1980 é a de atualizar o mito de Ferris Bueller. A gente quer cedo ou tarde na vida protagonizar aquela famosa parada em que todo o mundo dança junto. É uma cena que se agarrou em nossas mentes e as fecundou com um milhão de possibilidades muito pouco práticas, e vagas, muito vagas.

A dura realidade é que a maioria de nossos sonhos são irrealizáveis porque são sonhos de desenho animado. Isso me dá medo. Pensar que a gente talvez nunca se satisfaça realmente em nada porque o que a gente quer não existe. Estamos condenados a girar no vácuo de desejos que nem o gênio da lâmpada pode realizar. Mesmo porque nem conseguimos fazer o pedido. É que não sabemos como verbalizá-lo.

Isso porque vivemos através da televisão. Crescemos vendo videoclipes e ouvindo música pop. Que tipo de mundo e visão de mundo a gente tira de videoclipes? É o mundo da publicidade. Instantâneos de uma história sem começo, meio e fim. Impressões e desejos sobre um mundo que não existe. Um dia isso foi a definição de arte. Agora eu não sei. Agora é só um desejo meio maluco de ser Mickey Mouse e se transformar no que a gente quiser.

Assustador é descobrir que você não é Ela – olhando pensativa pela janela do vagão de um metrô no meio da madrugada de um comercial de refrigerante – nem eu sou Ele – inteligente e charmoso como aquele personagem secundário num café cheio de gente numa cromática muito estilizada. E teremos que viver com isso. Nos contentar com isso. Nos convencer de que isso não é pouco demais.

Estamos divididos entre princípios e impulsos, entre valores e desejos. Os princípios e os valores são ideais que nos servem de norte. Eles nos fazem sonhar. São sonhos morais a partir dos quais se estruturam projetos de vida. É aonde queremos chegar como seres humanos. Ao passo que os impulsos e desejos são as necessidades que se impõem no plano mais imediato da existência e ameaçam comprometer os planos que fazemos a longo prazo. Na Bíblia esse conflito é referido como aquele que se estabelece entre o espírito e a carne (Romanos 8).

Falar em caráter é falar em princípios e valores. Ter caráter é agir em conformidade com eles. Mas, por isso mesmo, caráter é também, e na maioria das vezes principalmente, o resultado dos arrependimentos que acumulamos ao longo da vida por todas as vezes em que deixamos de lado princípios e valores para satisfazer impulsos e desejos.

Basicamente, buscamos emoções que exigem riscos que não queremos correr. E na impossibilidade de realizar nossas aspirações mais profundas – já que não passam de idealizações pouco claras e práticas – nos frustramos e isso é quase criminoso numa época em que ser feliz é uma ordem. Assim, tão logo percebamos que estamos frustrados ou em via de se frustrar arriscamos tudo por algo chamado SENSAÇÃO.

Não buscamos um conteúdo, mas uma experiência burra chamada de sensação, cujo único critério de avaliação é a intensidade. Quanto maior, melhor; quanto mais anestesiante, melhor. Drogas e sexo são os meios mais comuns e evidentes para se obter uma sensação; mas a própria sensação é o vício primordial do qual derivam todos os outros e nascido de um coração esvaziado.

O coração esvaziado é todo coração que não encontrou uma grande paixão ou interesse que o mobilize completamente e portanto é como aquela casa completamente limpa e desocupada, só esperando algum oportunista se instalar com as piores intenções possíveis (Mateus 12.43-45). A sensação é o espírito imundo que mais me preocupa atualmente; é ele que está sempre à espreita. Um amigo/irmão/cúmplice meu leu os rascunhos disto aqui e concluiu: a sensação é a tentação do século XXI. Parece comercial de desodorante, mas não deixa de ser verdade.

Pregadores argumentam. Pais argumentam. O bom-senso argumenta. Mas o que é um argumento frente a uma sensação? A única objeção a uma sensação é outra sensação ainda mais forte. A terra boa do argumento é uma cabeça pensante. Por isso o APELO GIGANTESCO que eu faço: pense. Se juventude e espontaneidade são ditas sinônimos, não esqueça, pelamor, que Homo sapiens e pensamento idem. Carpe diem não pode ser desculpa para deixar o cérebro num potinho em cima do criado-mudo e sair pra balada.

Pensar é pensar até o limite, quando você percebe que tem alguma coisa na escuridão, um vulto inapreensível. É o quartinho dos fundos que chamam de transcendente. Uns filósofos muito mal vistos costumam construí-lo na arte. Dizem eles que a arte é um acesso a algo que extrapola o domínio da razão. Eu mesmo já fiz essa experiência com, por exemplo, a pintura de Mark Rothko, um abstracionista russo, naturalizado americano. Aqueles enormes retângulos chapados apontam para alguma coisa que está e não está ali, inefável, alguma coisa além. Como um crítico de arte disse, parecem uma janela para o Eterno. Fica faltando determinar esse Eterno. Aí entra Jesus, que lhe dá um rosto e uma presença (João 14.8, 9). Assim dizemos os cristãos. Faça a aposta.

Um comentário:

Voz que reclama

Bem-aventurados