quarta-feira, 28 de abril de 2010

6. Não faça sexo

Para o ouvido humano normal sexo é fazer sexo. A distinção se perdeu. O milagre que eu me proponho realizar agora é resgatá-la na frente de todo o mundo. Sexo é a coisa mais importante do mundo; fazer sexo não.

Fazer sexo não é tão importante quanto se imagina. Quanto se imagina: porque se imagina que seja tão importante quanto a vida. E a vida é maior e mais rica que isso. Fazer sexo é só uma parte dela. Vou chutar uma porcentagem: 10% dela? E é muito. Porque a vida verdadeira inclui sol, crianças, pão com manteiga, dormir no meio da tarde, rir com os amigos, conversar até tarde, jogar bola, escrever cartas de amor (bem ridículas), abraçar mamãe, ser mamãe, deitar na rede, balançar na rede, dividir um sanduíche, matar a sede com Coca-Cola num domingo de janeiro, correr muito rápido e se cansar e recuperar o fôlego, andar na montanha-russa, abrir juntos uma caixa de bombom, dançar, pizza, viajar incógnito, muito cinema, muito chocolate, adormecer escutando a chuva na janela, amanhecer na casa dos amigos, ler revistas, inventar e contar histórias, sorvete, desenhar, sonhar com a eternidade, sonhar com justiça e paz, desenhar sem saber desenhar, cantar debaixo do chuveiro, fazer e sentir cócegas, se molhar quando não se pode e/ou quando se quer, ajudar as pessoas de boa e má vontade, ser decente, se sacrificar, chorar, vencer, perder, aceitar, etc e tal.

Deveria ser óbvio: mas se a Bíblia diz que tem gente que escolhe não fazer, então sexo é opcional (Mateus 19.12). Muita gente vive sem e pode viver mal ou bem. Mas tem gente que vive muito mal com sexo e tudo; às vezes por causa do sexo e tudo. Porque a verdade é que não existe regra nisso nem uma normalidade tirânica que mande que sejamos campões na cama, do contrário estaremos condenados à infelicidade eterna. Isso deveria ser óbvio.

Sexo é sexualidade, e sexualidade é um fato. O desejo é um fato. A energia sexual é algo que nos percorre o dia todo, o indivíduo fazendo sexo ou não. A sexualidade nos define a ponto de devermos nos dizer seres sexuais. E sem qualquer exagero. A energia sexual é simplesmente energia vital, ou energia da vida. E se estou pensando e falando da vida, nesse ponto descubro que tenho que, para isso, pensar e falar de sexo.

Se a vida é sexo, então sexo tem que ser muito mais do que aquilo que imaginamos que é. Este é o ponto. Estou afirmando que a vida precisa ser pensada. Então. E portanto não só ela. Sexo precisa ser pensado. Deus precisa ser pensado. E os dois ao mesmo tempo se somos realmente cristãos. Porque cristão é o indivíduo que envolve Deus em tudo; que chama Deus à vida (entenda-se: ele só é um Deus vivo se faz parte da minha vida). Sendo que a pergunta teológica mais simples e direta não tem sido feita e é a seguinte: em que medida o sexo (desde a sexualidade em si até o ato sexual) revela a natureza de Deus?

A antropologia aí está para dizer que a base da sociabilidade é o sexo. É ele que nos tira do isolamento e nos leva ao encontro do outro. Nós nos buscamos impulsionados pela atração sexual. A ideia de comunhão define sexo. Aliás, define outra coisa: a igreja, e a igreja como o relacionamento que temos com Cristo, de lhe sermos corpo. Sexo possibilita o encontro e a comunhão. Em essência, aponta portanto para alguma coisa muito além: expressa o que é ser corpo de Cristo, isto é, ser igreja (Efésios 5.31, 32).

Assim é que fazer sexo precisa ganhar um sentido maior que o de mera satisfação fisiológica ou de passatempo no fim de semana. É diversão e jogo. Isso todos reconhecemos. Mas é muito mais. Diversão e jogo são muito mais. O sexo expressa nossa natureza íntima na medida em que somos seres sexuais. Respeitar nossa sexualidade exige, portanto, começar a pensar que tipo de sexo temos feito.

Quem reduz a vida a fazer sexo certamente tem em vista uma concepção de sexo muito chinfrim. Mas eu mesmo sou muito ortodoxo quanto a fazer sexo. Basicamente não vale o sacrifício. Só porque a gente não assume ou mesmo reconhece que envolve muita responsabilidade não significa que ela não exista. No fim só aumenta nossa insatisfação com o outro, consigo mesmo e com a vida.

Uma teologia do sexo é uma teologia do amor. Fala de intimidade, relacionamento, sensibilidade, expressão. Finalmente vivemos num mundo em que as pessoas se tocam (estou sendo positivo e otimista). Precisamos pensar uma teologia de pessoas que se apreciem. Pessoas que entendam a diversidade de opiniões e escolhas, pessoas que busquem a diversidade. Propor uma teologia do sexo é afirmar que sexo é muito importante.

Uma vida sem propósito não desperta grandes paixões e exige muito pouco da gente, ainda que pareça e de fato seja tão cansativa de ser vivida. Mas na realidade os dias se passam com a gente sempre com a cabeça nas alturas sonhando com uma vida que não existe. Fazemos tudo de qualquer jeito. Investimos muito pouco no cotidiano, que detestamos, porque não parece ir a lugar nenhum, e não vai mesmo. Mas o sexo. No ato sexual nos achamos investindo tudo de que dispomos. É o que se espera e é o que esperamos. É o grande momento das nossas vidas, no qual finalmente nos entregamos. Mas a vida toda deveria ser assim; essa é que é a verdade.

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